A menos de 30 dias de expirar o prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal para que o Congresso Nacional se manifeste sobre a regulamentação da Lei Kandir diante dos prejuízos provocados aos estados exportadores, a Comissão Mista Especial do Congresso formada para tratar do tema esteve reunida hoje (16), na Assembleia Legislativa. Nos 21 anos de vigência da lei, criada em 1996 para estimular as exportações brasileiras, o Rio Grande do Sul acumula R$ 50 bilhões de perdas líquidas, valor que equivale aos R$ 55,7 bilhões da dívida com a União, cenário que vem desestimulando a industrialização gaúcha e acelerando a depressão econômica estadual. A recuperação das perdas é o que estão propondo os líderes gaúchos, como o ex-governador Pedro Simon, que conclamou à unidade estadual para exigir da União essa compensação.
A iniciativa da Mesa Diretora da Assembleia, que deliberou pela formação de Comissão de Representação Externa para tratar da situação jurídica e política da Lei Kandir, por proposição do deputado Frederico Antunes (PP), reuniu a bancada federal gaúcha, os ex-governadores Pedro Simon (PMDB) e Germano Rigotto (PMDB), o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, o presidente da AFISVEC, Abel Henrique Ferreira, e o procurador-geral do Estado, Euzébio Ruschel, oportunizando ao relator da matéria, senador Wellington Fagundes (PR/MT), alinhar as reclamações e sugestões das lideranças gaúchas. O debate foi conduzido pelo senador Lasier Martins (PSD), que é titular da comissão.
Na abertura, o senador Lasier Martins (PSD) antecipou que a reunião busca sugestões para a comissão que deverá elaborar um relatório sobre a situação dos estados exportadores diante das limitações impostas pela Lei Kandir para eventual ressarcimento. Informou que, até 2003, o regramento ofereceu compensações, deixando de ser atrativo nos últimos 14 anos aos estados exportadores de produtos primários e industrializados semielaborados, como é o caso do Pará, que liderou a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e resultou na manifestação do STF, ano passado, determinando prazo para que o Congresso Nacional regulamente a matéria até o dia 30 de novembro. Caso isso não aconteça, a decisão caberá ao Tribunal de Contas da União. O Rio Grande do Sul também está representado nessa ação jurídica, ao lado de 14 estados. Ele também informou que, em 2003, emenda constitucional propôs a regulamentação da Lei Kandir, sem sucesso. A Comissão Especial surgiu para atender à exigência do STF e elaborar projeto de lei para regulamentar a lei. O prazo é até 30 de novembro, prorrogável até 7 de dezembro.
O presidente da Assembleia Legislativa, deputado Edegar Pretto (PT), recapitulou as ações para alavancar o debate sobre os efeitos nocivos da Lei Kandir nas finanças públicas gaúchas através de uma articulação nacional, conforme deliberação do colégio de líderes em março deste ano, tendo em vista o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal de que o Estado é credor dessa conta. Disse que se trata de decisão política da Assembleia Legislativa “fazer articulação nacional para tratar da compensação da conta que temos sobre o que deixamos de arrecadar”, movimento que foi comunicado ao governador José Ivo Sartori, com a solicitação de que ao tratar da dívida da União, também fosse incluído o tema da Lei Kandir.
Omissão do Congresso continua
Relator da comissão, o senador pelo Mato Grosso, Wellington Fagundes (PR), mostrou as deficiências da lei, criada para estimular a exportação mas incompleta porque não regulamentou os critérios para as compensações, que vem sendo cumpridas conforme orientação de cada governo. Informou que o Fundo de Exportações, o Fex, registra pagamentos irregulares desde 2014, situação que, em recente reunião no Ministério da Fazenda, resultou em concordância que a partir de agora se torne impositivo, estando em aberto o valor da compensação, incluindo ou não as perdas do passado. Explicou que a discussão do que é devido do passado encontra dificuldades porque “ninguém tem cálculos precisos, cada um coloca um número”, enquanto o Ministério da Fazenda diz que não tem nada para pagar e o Tribunal de Contas da União avisou que terá dificuldades para realizar esses cálculos, o que demandaria de um a dois anos. “Por isso a minha cautela, importante que todos discutam a curto prazo”, reclamando que um assunto de tamanha repercussão não esteja popularizado no Congresso Nacional. Alertou que “temos que buscar objetividade no sentido de encontrar alternativa de votar agora, do contrário, seremos omissos e vamos colocar para o Tribunal de Contas”.
No exercício do governo estadual quando a Lei Kandir foi aprovada, o ex-governador Germano Rigotto (PMDB) lembrou das discussões que antecederam a lei, tendo em vista o elevado custo para o país exportar seus produtos e a perda de competitividade, surgindo as desoneração das exportações como alternativa. Na discussão no Congresso, onde a matéria foi aprovada por ampla maioria, surgiu a preocupação com as perdas de receita que provocaria aos estados exportadores, resultando na compensação de 50% dessas perdas. Mas na prática, por falta de regulamentação, a compensação das perdas nunca ultrapassou 17%, disse Rigotto, que foi voz isolada reclamando do indexador utilizado para a federalização da dívida do Estado. Ele referiu a ação no STF liderada pelo Codesul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso, questionando o cumprimento do acordo firmado e até hoje sem julgamento. O agravamento da situação fiscal dos estados, segundo o ex-governador, está expondo a gravidade dessa falha na lei que, ao ser regulamentada, deverá tratar com clareza das compensações. “O quadro que os estados enfrentam é sério, pode resolver daqui para a frente com a certeza da devolução em lei e tentando encontrar algo relacionado com a repactuação da dívida”, sugeriu.
Ganhos e perdas
O secretário estadual da Fazenda, Giovani Feltes, recapitulou o cenário da economia em 1996, quando a Lei Kandir foi aprovada diante da necessidade de o Brasil alterar os déficits na balança comercial, interiorizar dólares, medida que tornou o país exportador com benefícios para a balança comercial. “Os produtos industrializados e semielaborados foram os atingidos e o Rio Grande do Sul foi impactado”, mostrando que no início o ressarcimento alcançava 20% e chegou a 60%, mas a partir de 2005 começou a queda que está em 8,5% nos últimos dois anos, “num somatório no que é orçamentado na Lei Kandir e no que se criou no início dos anos 2000, o Fundo para Exportação, FEX”. As perdas, em valores reais nestes 20 anos, alcançam R$ 50 bilhões. As perdas brutas foram de R$ 65,5 bilhões e as compensações de R$ 15,47 bilhões. “Num paralelo, o volume da dívida com a União em R$ 55,7 bilhões, quase o mesmo montante, se tivéssemos o direito de tributar não teríamos esse volume de endividamento com a União”, salientou Feltes.
Ele reconhece que sem a desoneração fiscal, “não teríamos alcançado esses volumes de exportação”, mas “se produzíamos e exportávamos, com valor agregado, certamente tivemos processo de desindustrialização com a Lei Kandir”, situação que alcançou, por exemplo, as empresas de óleo de soja, “há ganhos e perdas, injustiça e irracionalidade, se levarmos em conta a federalização”, para exemplificar o impacto na realidade estadual. O secretário, no entanto, não defende o encontro de contas, “é balela”, disse Giovani Feltes, “pode dar voto mas não dá solução”, referindo os últimos períodos de governo Lula, Dilma Rousseff e Temer que não regulamentaram a lei. A oportunidade é agora, assegurou, mostrando as perdas de 2015 e 2016, de R$ 8,47 bilhões, “próximo ao déficit financeiro acumulado do Rio Grande do Sul até o final de 2018”. Para este ano, a previsão da Lei Kandir para o Estado é de R$ 381 milhões e para o país, de R$ 3,86 bilhões. Em perdas líquidas, o Estado está na quarta posição, atrás de São Paulo (R$ 101,2 bi), Minas Gerais (R$ 88,1 bi) e Mato Grosso (R$ 53,2 bi). No total, os estados acumulam R$ 548 bilhões em perdas.
A compensação justa, na avaliação do secretário, deverá ajudar no equilíbrio fiscal dos Estados, restabelecendo o patamar mínimo dos primeiros cinco anos da lei e a restituição das perdas históricas, através da criação de Fundo Estadual destinado ao pagamento da dívida, de precatórios, reposição de depósitos judiciais e para cobrir o déficit previdenciário. “É a oportunidade de darmos o primeiro passo de um novo federalismo”, defendeu.
Simon pede mobilização
Na sua manifestação, o ex-governador Pedro Simon retomou os momentos históricos de unidade do Estado em favor da industrialização, como na conquista da Aços Finos Piratini, e do Pólo Petroquímico, assim como os períodos em que o Estado assumiu as estradas federais, “devemos R$ 50 bilhões e eles nos devem R$ 50 bilhões”, afirmou o ex-senador, para quem o Rio Grande do Sul possui diversos outros créditos com a União, como valores de projetos de reforma agrária e até mesmo a depressão econômica da região da fronteira em decorrência de proibição de instalação de indústrias por conta do acúmulo de quartéis na faixa de fronteira, “a refinaria de petróleo foram fazer em Rio Grande e não em Uruguaiana”. “Temos que fazer a compensação, essa a grande tese”, disse ele, “não fizemos um acordo leonino com um banco, é com a União”. Pela privatização do Pólo Petroquímico a União deve R$ 1 bilhão ao Estado, salientou, e a Aços Finos Piratini a mesma coisa, completou. Preocupado com a crise na infraestrutura social, Pedro Simon defendeu que a Assembleia coordene uma mobilização para exigir que o Rio Grande do Sul tenha sua compensação.
Pela AFISVEC, o presidente, Abel Henrique Ferreira, também representando a Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais, Febrafite, referiu documento da entidade que reivindica o pagamento atrasado “desse pacto que não foi cumprido pela União”. Em 2015, o Estado recebeu 8% do total que deveria receber de compensação pela não cobrança do ICMS nessas exportações, mas em valores nominais a perda nesse ano foi de R$ 4 bilhões. A entidade vai sugerir o término da imunidade constitucional sobre os produtos primários e semielaborados, defendendo “um encontro de contas entre tudo que a União nos deve”, confiante de que o Congresso Nacional terá condições de resolver a questão, sem que isso passe ao Tribunal de Contas da União.
Um dos articuladores da reunião, o deputado Frederico Antunes, que propôs a formação da Comissão de Representação Externa sobre os efeitos jurídicos e políticos da Lei Kandir, destacou a união dos deputados em torno do assunto e pediu que os municípios não sejam esquecidos uma vez que em caso de cumprimento da compensação, recairia R$ 1 bilhão nos cofres municipais. Ele dividiu seu espaço com o deputado Adão Villaverde (PT), que deverá promover audiência pública sobre a Lei Kandir e defendeu a revogação imediata das isenções e desonerações com um tempo de transição, dando autonomia aos estados.
O procurador-geral do Estado, Euzébio Ruschel, fez um balanço das ações jurídicas empreendidas para alterar os efeitos da lei e conclui que “a via é política, a via judicial está esgotada, o foco é político”. Ele espera que o Congresso consiga resgatar esse débito pois “temos valores expressivos a serem ressarcidos”.
O empresário Erasmo Batistella, presidente da Associação dos Produtores de Biodiesel do RS, mostrou estudo que revela o impacto da Lei Kandir no segmento de soja e biodiesel, apesar do crescimento do vegetal alcançar 494 mil toneladas anuais, o crescimento do farelo de soja e óleo vegetal foi de 39% e o biodiesel não registrou exportação, “muitas fábricas fecharam”, disse ele, que não defende a revogação da Lei Kandir mas aponta distorções que conseguiram sucatear a indústria do processamento de soja e a redução dos investimentos. Já Irineu Boff, que falou pelo sindicato, observou que o crescimento de 300% da safra de soja não se reflete na moagem, que passou de 5 para 6 milhões.
Também participaram os deputados Tarcísio Zimmermann (PT); Jeferson Fernandes (PT); João Fischer (PP); Sergio Turra (PP); Tiago Simon (PMDB); Gilmar Sossella (PDT); Luis Augusto Lara (PTB); Adolfo Brito (PP); Elton Weber (PSB); Luiz Fernando Mainardi (PT); Edson Brum (PMDB); e as deputadas Stela Farias (PT) e Zila Breitenbach (PSDB), assim como a deputada federal Maria do Rosário (PT/RS), e os deputados federais Elvino Bohn Gass (PT/RS); Henrique Fontana (PT/RS); e Pompeo de Mattos (PDT/RS), que é integrante da Comissão Mista Especial do Congresso Nacional sobre a Lei Kandir e também da comissão que trata do mesmo assunto na Câmara Federal. O jornalista Flavio Dutra representou a senadora Ana Amelia (PP/RS), que é suplente da comissão. Das galerias diversas entidades de classe empresariais e sindicais acompanharam o debate.
O assunto será debatido em outra data, em audiência pública da Comissão de Finanças, Planejamento, Fiscalização e Controle, por sugestão do Adão Villaverde (PT).
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