A Comissão de Assuntos Municipais da Assembleia Legislativa promoveu na segunda-feira (23), uma audiência pública para debater a dívida pública do Estado. Solicitada pelo deputado Juliano Roso (PCdoB), a audiência resultou no entendimento sobre a necessidade de um auditoria cidadã para que se realize uma avaliação detalhada da dívida do RS para com a União. O presidente do Sindispge, Cícero Corrêa Filho, participou da audiência. Para ele, o debate é fundamental para que todos possam tomar conhecimento das questões técnicas que envolvem a dívida. “Essa dívida é ilegal e imoral, já que a União fica com os créditos da Lei Kandir e os juros aplicados são abusivos, ainda mais entre os entes federados”, comentou.
Conforme o proponente da audiência, os objetivos eram buscar uma alternativa à adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal proposto pela União, e um chamado à auditoria cidadã da dívida, não só do RS, mas envolvendo outros Estados. Como resultado, foram construídos seis itens que comporão uma carta destinada aos candidatos ao governo do Estado. São eles:
Sinalizar aos pré-candidatos ao Piratini, independentemente de partido, que busquem a unidade interna do RS e uma integração com os demais estados devedores, para rever a dívida com a União (revisão desta dívida).
A necessidade de revisão do pacto federativo, com repactuação do orçamento entre os entes federados, a título de equidade, uma vez que não há mais como estados, e em especial municípios, ficarem com fatia tão pequena da arrecadação e com tantas responsabilidades.
A Lei Kandir deve ser revista nas suas perdas, e isso deve ser colocado no centro da luta das forças políticas do Rio Grande do Sul.
Apoio ao PL 561, dos senadores, que prevê a correção monetária do montante da dívida e não o pagamento de juros.
Plebiscito para auditoria cidadã da dívida.
Buscar alternativas para superar a crise do Estado, que não passem pelo RRF.
O evento reuniu auditores fiscais do RS, auditores fiscais do Tribunal de Contas do Estado, entidades sindicais e de representação ligadas ao tema, e o governo do Estado, com a presença do secretário da Fazenda, Luiz Antônio Bins, e do auditor-geral do Estado e subsecretário da pasta, Álvaro Fakredin.
Manifestações
O economista Rodrigo Vieira de Ávila, da coordenação nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, declarou que a dívida pública é o centro dos problemas nacionais. “A primeira consideração a ser feita para se tentar entender a questão é que, na esfera federal, 40% do orçamento são destinados para juros e amortizações da dívida pública, enquanto saúde e educação recebem um décimo disso”, ilustrou. Ele prosseguiu, destacando que a dívida federal interna explodiu entre 1995 e 2017, crescendo de R$ 86 bilhões para mais de R$ 5 trilhões, “um absurdo, decorrente de juros abusivos e de mecanismos financeiros obscuros, gerando a chamada dívida pública e que só favorecem ao setor financeiro”. Até 2015, acrescentou, “a sobra de recursos (superávit primário) superou R$ 1 trilhão, provando que a explosão desta dívida não decorre da falsa alegação de excesso de gastos sociais, como afirma o governo central, como forma de empurrar reformas que retiram direitos da população”, sublinhou, reiterando a necessidade de auditoria da dívida já.
Conforme registrou, o chamado sistema da dívida exige elevadas somas de recursos. “Desta forma, a sociedade fica submetida a cortes de investimentos sociais, às denominadas reformas trabalhista e da previdência, perda de patrimônio público via privatizações, exploração predatória do meio ambiente e outras medidas, que jogam o país a um cenário de pauperização e impedem o desenvolvimento”. Ele ainda salientou que este sistema da dívida se reproduz nos estados, “subtraindo grandes somas de recursos que provocam a precarização dos serviços básicos”. Narrou que, de 1999 a 2015, os estados pagaram R$ 277 bilhões em juros e amortizações quanto à dívida com a União. “Apesar disso, este montante passou de R$ 93 bilhões para R$ 476 bilhões no período. Assim, esta dívida foi paga três vezes e se multiplicou por cinco”, alertou.
Expôs, igualmente, os principais beneficiários da dívida interna: bancos, 42%; fundos de investimento, 17%; estrangeiros, 10%; seguradoras, 4%; governo (FAT, FGTS, etc), 4%; outros, 4%, e, previdência, 19%.
O secretário da Fazenda do Estado, Luiz Antônio Bins, traçou um histórico do crescimento da dívida gaúcha, destacando o aspecto federativo da questão. “Em 1970, nossa dívida era de R$ 2,3 bilhões. Em 2017, atingiu R$ 67,6 bilhões, 87% com a União (R$ 58,6 bilhões), resultado das crises do petróleo, da dívida externa do Brasil e do Plano Real”. Igualmente, lembrou as ações recentes por parte do Estado quanto à renegociação da dívida, em especial a alteração dos índices de correção dos valores e a ação no STF que determinou a sustação, temporária, do pagamento das parcelas da dívida com o governo federal.
Para Bins, a avaliação deve levar em conta o efeito que a adesão do Rio Grande ao RRF trará ao Estado. “O não pagamento da dívida, pelos próximos 3 anos, determina que o RS deixará de transferir à União, a título de principal e encargos, R$ 11,3 bilhões”, reforçou. A pergunta que a sociedade deve responder, prosseguiu, é: “queremos manter este volume no Estado pelos próximos três anos, para o atendimento das mais diversas necessidades públicas, ou transferir este valor à União, como forma de pagamento da dívida?”.
João Pedro Casarotto, fiscal de tributos estaduais aposentado, estudioso da Dívida Pública e membro do Núcleo Gaúcho da Auditoria Cidadã da Dívida,declarou: “A dívida dos Estados para com a União é inconstitucional e imoral”. Segundo ele, quando foi feita a renegociação das dívidas, há aproximados 20 anos, os valores devidos pela maioria das unidades da federação eram decorrentes das medidas econômicas adotadas pelo governo federal.
Casarotto ressaltou que o contrato foi assinado compulsoriamente. “O índice usado para correção foi superior ao da inflação, numa situação interminável. É preciso parar o processo que afunda o país e o Estado”, alertou, propondo, por exemplo, a revogação da Lei Kandir, “que causa prejuízo não só ao Rio Grande do Sul, mas ao país (que manda embora suas riquezas) e buscar o que é devido aos gaúchos”.
O auditor-geral do RS, Álvaro Fakredin, observou o tema como polêmico. “Há uma diferença de posicionamento quanto ao tema, de relevância para todos o país, não só para o Rio Grande do Sul”. Conforme ele, “causa desconforto, sob o ponto de vista técnico, o uso da expressão vistoria, ou auditoria, da dívida pública, como se o tema (dívida do RS para com a União) não fosse auditado, como se não houvesse fiscalização. A auditoria existe, está correta e expressa no balanço do Estado, disponível na internet. Aliás, os relatórios da dívida pública gaúcha estão à disposição desde sempre, pela CAGE (Contadoria e Auditoria-Geral do Estado)”.
Assegurou que o tema é caro a todos os que integram o governo. “Há um trabalho sério, e técnico, sobre este tema, relevante a nós todos, uma vez que diz respeito à economia gaúcha, que compromete boa parte dos recursos arrecadados com o pagamento da dívida para com a União”. Ao final, propôs a mudança da expressão auditoria da dívida para revisão da dívida. “precisamos partir do termo técnico correto”, observou.
Auditoria Cidadã
O auditor público externo do Tribunal de Contas do Estado, Josué Martins, mestre em Ciências Econômicas pela UFSC, presidente do sindicato dos auditores do TCE e integrante da coordenação do núcleo da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, rebateu a análise de Fakredin e ressaltou que a auditoria cidadã da dívida realmente se diferencia da auditoria oficial. “Exatamente porque não se limita a verificar a conformidade daquilo que está contratado e o que está sendo pago. Há o questionamento, isso sim, da dívida quanto ao seu fundamento, sua base, sua origem”.
Recordou que o movimento tem a palavra cidadã a partir do que propôs o deputado constituinte Hermes Zanetti, quando definiu que o Congresso teria um prazo de um ano, a contar da promulgação da Carta de 1988, para proceder o exame analítico e pericial dos atos e fatos gerados pelo endividamento da dívida externa brasileira, algo nunca realizado. “E a auditoria cidadã estende esta necessidade para o âmbito interno do país, uma vez que a dívida externa passa a ser o maior componente da dívida pública interna”.
Usando um gráfico, mostrou a trajetória da dívida estadual. “O secretário Bins já fez referência a estes números, mas sua avaliação depende do olhar de cada observador”, considerou. Mostrou que o RS, em 1970, tinha uma dívida para com a União de R$ 2 bilhões; em 1994, o montante elevou-se a R$ 26 bilhões. Assim, em 24 anos foram acrescidos 24 bilhões na dívida, ou um bi ao ano. Já entre 1994 e 1998, do Plano Real aos contratos de refinanciamento com a União, houve um salto de 32 bilhões no montante. “Foram mais de R$ 8 bilhões ao ano, em quatro anos, sem que tenha entrado um só centavo de dinheiro novo (novos empréstimos) nos cofres gaúchos no período. Isso graças aos juros aplicados a partir do Plano Real, de forma draconiana, com 22% ao ano e a dívida se elevando em 122%”, completou. “Será razoável”, questionou, “que agora, em 2017, 2018, tenhamos que assumir isso? É responsabilidade nossa? Vamos ter que pagar mais ainda com o RRF, consolidando o sistema?”.
A isso, disse, a Auditoria Cidadã da Dívida chama de sistema da dívida: “a transformação do endividamento público em um mecanismo perverso, não mais um instrumento de desenvolvimento econômico mas uma submissão dos entes federados aos ditames da política econômica central”. Desta forma, esclareceu, o objetivo do movimento é “criar uma consciência social em torno do tema, mobilizando energia para o bom combate, que significa a quebra do contexto atual, fazendo com que a dívida volte a patamares aceitáveis”.
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