Após a decisão do governo do Estado de extinguir a Fundação Piratini, aprovada pela Assembleia Legislativa em 2016, o destino da TVE e da FM Cultura permanecia incerto. Com a programação esvaziada, funcionários sendo encaminhados para outros órgãos e secretarias, as emissoras continuam no ar exibindo principalmente reprises e transmitindo a programação nacional. Nesta terça-feira (18), no entanto, o governo do Estado anunciou ter um plano para o futuro da programação: irá realizar a concessão da operação a uma empresa privada, que será escolhida por meio de edital. O Estado garante que não se trata de uma terceirização, visto que irá manter o controle das outorgas e da programação, embora o trabalho passe a ser executado por uma empresa privada.
A empresa vencedora deverá fornecer equipamento e estúdios próprios para a realização dos programas. Paralelamente a isso, a ideia do Estado é que o prédio seja cedido para a Secretaria de Segurança Pública, que confirmou ter interesse na área. “Trata-se de um terreno que possui localização estratégica e dimensões que possibilitam a instalação do Comando do Policiamento da Capital, de uma unidade do Corpo de Bombeiros Militar e diversas Delegacias de Polícia, centralizando serviços, otimizando custos e ampliando a capacidade de pronta resposta”, afirmou a SSP, por nota.
Para Antonio Escosteguy Castro, advogado da Frente Jurídica de Defesa das Fundações, no entanto, a proposta é inconstitucional e a cedência do espaço para a SSP faz pouco sentido. “As emissoras educativas não podem ser reprivatizadas, é inconstitucional que o Estado as passe de volta para o setor privado. Se o governo quiser colocar em outro lugar e dar outra disposição para aquele prédio, isso está dentro das capacidades do Estado, mas é uma bobagem porque é um prédio projetado para emissora de rádio e televisão”, avalia.
O governo alega que o novo modelo trará economia, visto que a ideia inicial é limitar o gasto em 50% do valor consumido no ano passado pela Fundação Piratini (R$ 40,86 milhões). Ou seja, o teto do edital será de R$ 20,4 milhões. O plano é que, a cada ano, o percentual recebido pela empresa vencedora da licitação seja 2,5% menor, até chegar, no quinto ano, em 40% do que hoje o Estado desembolsa para manter as duas emissoras.
Castro lembra, porém, que essa ideia de que as concessões privadas trariam economia aos cofres públicos nem sempre se sustenta, como foi demonstrado pela tentativa do Estado de contratar a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) para realizar o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) do RS. O trabalho era anteriormente realizado pela Fundação de Economia e Estatística (FEE), foi extinta no mesmo pacote que a Piratini. Nesta segunda-feira (17), o titular da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre suspendeu liminarmente o contrato. “Naquele caso, foi comprovado que o contrato para fazer um único estudo custava metade da folha de pagamento total da FEE. Nosso receio é que vá ser a mesma coisa, se terceirizar a produção de toda a programação, muito provavelmente vai acabar custando mais caro, a exemplo do contrato da Fipe”, avalia o advogado.
O governo garante, porém, que haverá “economia significativa” ao longo dos anos. Segundo o plano, a empresa vencedora terá de investir o mesmo valor recebido do primeiro ano da concessão da operação na indústria audiovisual gaúcha para exibição do conteúdo na TVE. Por exemplo: se o edital for de R$ 20 milhões, a empresa assumirá o compromisso de realizar um edital de R$ 20 milhões por ano para gerar conteúdo para a TVE produzido pelas empresas audiovisuais do Estado. “Assim, a conta do Estado zera, porque o mesmo valor recebido pela empresa terá de ser aplicado na produção de séries e programas para a TVE”, diz Orestes de Andrade Jr., ex-presidente da Fundação Piratini e atual diretor de Radiodifusão e Audiovisual da Secretaria de Comunicação (Secom).
Os servidores da extinta Fundação Piratini, cuja situação permanece incerta, lamentam a falta de diálogo em relação ao futuro das emissoras. “A gente fica sabendo as coisas pelos jornais, o Orestes vai lá e diz o que quer. Eu, enquanto representante do sindicato, não saí da reunião com a secretaria com esse entendimento, o governo não manifestou interesse nesse projeto de terceirização”, afirma Gabriela Barenho, servidora da TVE e integrante do Sindicato dos Radialistas, referindo-se à reunião realizada com a Secretaria de Comunicação cerca de um mês atrás. Ela considera um tiro no pé o governo anunciar esse plano tão próximo das eleições, visto que avalia a ideia como “inviável juridicamente”.
O Estado rejeita a ideia de que o plano caracterize uma privatização, garantindo que a responsabilidade sob as emissoras continua sendo do poder público, através da Diretoria de Radiodifusão e Audiovisual da Secom, que, por meio do Conselho Consultivo de Programação, exercerá o papel de curador da programação. O Conselho foi formado no dia 30 de maio e é composto por 11 membros, entre representantes de secretarias, associações independentes e da sociedade.
Na avaliação de Castro, a afirmação é “apenas um jogo de palavras”. “O Estado tem que gerir as emissoras, é comunicação pública, a comunicação privada existe e elas são complementares. Então tem que ser gerida pelo Estado, que pode terceirizar alguns trabalhos eventuais, mas assim está abrindo mão da emissora, para ficar com um suposto comando intelectual”, aponta.
Por sua vez, Orestes Jr. cita o exemplo das TVs da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e da Câmara Municipal de Vereadores de Porto Alegre, cujas operações são executadas via licitação pública. “A concessão é só da operação, o Estado mantém o controle das outorgas e das linhas de programação, ou seja, do conteúdo”, garante. Também estão previstas a restauração e preservação do acervo sem custos para o poder público e a digitalização do sinal da emissora em todo o Estado. O governo destaca ainda que pode ser realizado o leilão dos equipamentos para saldar as rescisões dos atuais funcionários ou proporcionar a cessão de uso destes equipamentos para TVs universitárias e comunitárias parceiras da TVE.
As novas identidades visuais da TVE e da FM Cultura também já foram criadas. O conceito será “TVE Digital, uma TV toda nova para você” e “Cultura 107.7, nossa música em primeiro lugar”. De acordo com Orestes Jr., a ideia é “fomentar a indústria criativa e audiovisual gaúcha”, e o novo slogan se refere a isso. “O nome diz qual será a missão da rádio: ser uma vitrine da cultura gaúcha”, afirma o diretor da Secom.
Qualquer mudança, porém, não pode ocorrer até outubro, devido às eleições. Por isso, a atual gestão não sabe prever quando o edital, que está em análise final na Procuradoria Geral do Estado (PGE), será lançado. “Não vamos lançar o edital antes do resultado das eleições. Caso o governador seja reeleito esse é o projeto que pretendemos. Mas, se tivermos um novo governador, é claro que vamos respeitar isso”, diz Orestes Jr.
Outro impedimento para a colocação em prática do novo plano é a situação de diversos servidores, sustentada por liminares que proíbem sua demissão, embora o Estado entenda que eles não teriam direito à estabilidade. No momento, mais de 100 funcionários ainda estão atuando nas emissoras, enquanto outros foram encaminhados para secretarias e órgãos estaduais.
Fonte: Sul21/Débora Fogliatto
Foto: Guilherme Santos/Sul21
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