Décadas antes de a campanha presidencial de Obama ter transformado o “Yes we can” em bordão vencedor, o slogan já mobilizava milhares de trabalhadores rurais nos EUA, na versão em espanhol: “Sí se puede”. Essa era uma das palavras de ordem dos grevistas que, nas décadas de 1960 e 1970, buscavam mostrar que era possível conquistar melhores condições de trabalho –viviam regime de quase escravidão nas plantações de uva.
À frente do movimento estava Cesar Chavez, figura carismática e determinada, que se transformou em herói dos trabalhadores e símbolo do pacifismo combativo.
Hoje, 21 anos depois de sua morte, continua sendo celebrado pelo movimento sindical norte-americano e até pelo governo: no final de março o presidente dos EUA comandou solenidade em que instituiu o dia nacional de Cesar Chavez, já existente em alguns Estados do país.
Na cerimônia realizada na Casa Branca, Barack Obama recebeu a neta do líder sindical, Julie Chavez Rodriguez, 35, que hoje trabalha no governo federal no serviço de apoio aos imigrantes. Como parte do evento, foi exibido em sessão privada “Cesar Chavez”, filme recém-lançado nos Estados Unidos.
Trata-se de um documentário dramatizado, em que atores interpretam os personagens reais; para aumentar a veracidade, há clipes de reportagens de TV da época e trechos de depoimentos dos envolvidos nas greves e na perseguição aos grevistas.
O filme é uma lição de história. Expõe atrozes condições de vida dos boias-frias da época, que Obama relembrou em seu discurso. “Eles realizavam trabalho exaustivo, em condições deploráveis, em troca de pagamento insignificante. Eram expostos a pesticidas perigosos e não recebiam a proteção mais básica, como salário mínimo, atendimento de saúde e acesso à água potável.”
Contra tudo isso, Chavez começou a organizar os trabalhadores. Em apoio a grevistas, ele liderou em 1966 uma longa marcha. A jornada começou com um punhado de militantes em Delano, Califórnia, e foi recebendo apoios no caminho de quase 400 km até Sacramento, capital do Estado. Na chegada, a caminhada contava com cerca de 10 mil pessoas.
Tratada em tons épicos no docudrama, a marcha não foi suficiente para garantir a vitória dos trabalhadores. Chavez então chamou a população norte-americana para apoiar os grevistas.
Convocou um boicote nacional contra os produtores de uvas. Que ninguém mais comprasse a fruta produzida nas fazendas que não respeitavam os direitos básicos dos trabalhadores. O boicote conquistou 17 milhões de apoiadores em todo o país.
O registro desse processo é talvez a sequência mais exemplar do docudrama. O líder dos latifundiários, interpretado por John Malkovich, espuma de ódio e exige a intervenção do Estado.
Richard Nixon, então presidente dos EUA, responde na lata: dá apoio à exportação e garante que as Forças Armadas comprarão o que não for vendido ao estrangeiro. Ao mesmo tempo, a violência policial se abate contra grevistas e piqueteiros.
À internacionalização da venda, os ativistas respondem com a internacionalização do boicote. Chavez viaja à Europa e obtém apoio de sindicatos britânicos. Foi a gota d`água. Depois de anos de greve, os trabalhadores acabam vitoriosos.
Além de registrar as campanhas trabalhistas, o filme acompanha os dramas pessoais de Chavez e seus conflitos familiares. Para alguns estudiosos da trajetória do ativista, fica muito aquém da verdade.
De fato, o docudrama é claramente uma peça de propaganda, determinada a trazer a vida e as propostas de Chavez aos holofotes da mídia.
Deu resultado, a julgar pelo comentário do presidente norte-americano antes da sessão privada de “Cesar Chavez”: “Nada melhor do que ver um filme inspirador, e eu realmente estou interessado em ver a biografia de um dos meus heróis, uma das pessoas que me inspiraram a fazer o trabalho que estou fazendo hoje”.
Fonte: Jornal Folha de São Paulo
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